Vamos conhecer hoje o caso Natascha Kampusch, uma jovem austríaca que foi sequestrada quando tinha apenas dez anos de idade e mantida em cativeiro por exatos 3.096 dias. Sendo abusada e humilhada por Wolfgang Přiklopil.
Natascha Maria Kampusch nasceu em 17 de fevereiro de 1988, em Viena na Áustria. Filha de Ludwig Koch e Brigitta Sirny. Seus pais se separaram quando ela tinha cinco anos e por isso costumava passar temporadas com o pai, e outros momentos com a mãe. Ela descreve o pai como alegre, carinhoso e brincalhão, enquanto que sua mãe sempre teve uma natureza mais enérgica. Seu relacionamento com a mãe nunca foi muito bom. Ela tem duas irmãs mais velhas por parte de mãe.
Na manhã que aconteceu o sequestro, em 2 de março de 1998, ela havia se desentendido com a mãe porque no final de semana anterior havido passado com o pai e chegaram tarde. Aborrecida depois de uma discussão, havia saído de casa sem beijá-la. Na época ela estava cursando a quarta série e caminhava em direção a escola quando notou à sua frente uma camionete branca parada e um homem moreno de olhos azuis do lado de fora. Preocupada, resolveu continuar e, ao passar por ele, foi agarrada rapidamente e jogada dentro da caminhonete.
Nos primeiros dias, muitas buscas foram feitas com o uso de cães e helicópteros e cartazes foram afixados em todas as escolas de Viena e arredores. Uma testemunha de 12 anos afirmou ter visto a menina ser agarrada e jogada dentro de uma van branca. Entre as vans revistadas, estava a do sequestrador, Přiklopil, que vivia a cerca de meia hora de carro do centro de capital, em Strasshof an der Nordbahn, mas o veículo não levantou nenhuma suspeita. Investigado numa batida policial, ele disse à polícia que tinha passado toda a manhã do sequestro em casa e que usava a van para transportar material para sua casa, que estava reformando.
Wolfgang Přiklopil nasceu em 14 de maio de 1962 em Viena. Filho único de Karl e Waltraud Přiklopil, seu pai era vendedor de uma empresa de bebidas e sua mãe, que o mimava desde criança, era vendedora de sapatos. Ele era um técnico de telecomunicações, trabalhou um período na Siemens, e depois que deixou este emprego trabalhou como autônomo, fazendo reformas em casas e apartamentos.
A casa em que vivia e onde aprisionou Kampusch, ficava no subúrbio de Viena, pertencia anteriormente a seu avô, Oskar Přiklopil, que a comprou após a II Guerra Mundial. No período da Guerra Fria, Oskar e seu filho Karl construíram nela um abrigo contra bombas, que se tornaria a origem da masmorra de Kampusch. Wolfgang passou a morar na casa em 1984, após a morte de sua avó. Era maniaco por limpeza e organização.
Natascha era mantida numa pequena cela de 5 m² na garagem da casa de Přiklopil, cuja entrada ficava escondida atrás de um armário. Sem janelas e à prova de som, a cela tinha uma porta feita de concreto reforçada com aço. O pequeno local tinha uma pia, vaso sanitário e uma cama tipo beliche onde ela dormia na parte de cima e usava a escada para pendurar roupas. O ar na cela vinha de um ventilador instalado no alto, que passava por um tubo no teto vindo da garagem. O ruído deste ventilador, nunca desligado, iria quase enlouquecê-la pela repetição constante nos primeiros meses.
Nos primeiros seis meses de cativeiro, ela não teve permissão de sair da cela em nenhum momento, não pôde tomar banho a não ser na pequena pia da cela, não podia olhar nem falar com Přiklopil sem autorização e por vários anos não pôde deixar o pequeno espaço à noite. No primeiro ano, era obrigada a chamar seu captor de "Mestre", o que sempre se recusava a fazer, mostrando rebeldia, que lhe custaria surras. Com um ano e meio de cativeiro, ele decidiu que Natascha não podia mais usar seu nome e agora pertencia a ele. Assim ela foi obrigada a escolher outro nome e passou a chamar-se "Bibiane", sua identidade pelos sete anos seguintes.
Em dezembro de 1999, aos 21 meses de cativeiro, ela pode respirar ar puro pela primeira vez, quando Přiklopil lhe permitiu passar alguns minutos no jardim da casa com ele, à noite. Pouco tempo depois, ele lhe disse seu verdadeiro nome e com isso Natascha teve a certeza de que seu raptor nunca a deixaria sair dali viva.
Natascha foi submetida a anos de abuso físico e mental após entrar na puberdade, Natascha muitas vezes dormia algemada a Wolfgang na cama dele. Era obrigada a raspar a cabeça para que fios não ficassem pela casa, passou períodos de fome, chegou a apanhar mais de 200 vezes numa semana até ouvir sua própria espinha estalar, era obrigada a lavar, cozinhar, arrumar e limpar a casa quase nua, geralmente apenas de calcinha e boné.
Quando seu raptor resolveu fazer uma reforma na casa, que durou anos, Natascha foi seu único operário. Chegou a carregar sacos de cimento pesados demais para sua idade, instalar piso, montar janelas e quebrar concreto, sempre sob as ordens dele e vigiada de perto. Qualquer erro, principalmente com a preparação da comida, era motivo para gritos ou tapas. No fim do dia, quase sempre voltava a ser trancada. Tentou três vezes o suicídio, uma delas em 2004, incendiando papéis sobre uma chapa elétrica para esquentar comida que tinha na cela, de maneira a morrer por envenenamento provocado pela fumaça, após ouvir seu nome num programa de rádio que debatia um novo livro sobre pessoas que haviam desaparecido sem deixar vestígios. Por duas vezes anteriormente já tinha tentado se matar, estrangulando-se com peças de roupa aos 14 anos e tentando cortar os pulsos aos 15, sem conseguir levar até o fim seu intento em nenhuma delas.
O estado psicológico de Natascha e o domínio mental dele sobre ela, além de sua constante presença física sempre a centímetros de distância, impediram entretanto qualquer possibilidade de fuga. Estiveram uma vez numa loja de material de construção e num passeio de carro até Viena foram parados numa batida policial na estrada. O policial chegou a pedir os documentos de Přiklopil e do carro e olhar para Natascha no banco de passageiros. Em pânico com as ameaças de morte a ela e a quem chegasse ao carro em caso de qualquer reação, ela se manteve paralisada e o veículo foi liberado.
Depois dos primeiros anos, Natascha podia passar grande parte do dia na parte de cima da casa, mas era levada de volta à câmara para dormir ou quando o sequestrador saía para trabalhar. Durante seu tempo ali, teve acesso à televisão e rádio, controlados por seu raptor. Nos últimos anos de cativeiro, ela chegou a ser vista no jardim e até no carro dele. A casa era várias vezes visitada pela mãe de Wolfgang, que chegou a cozinhar e arrumar para o filho. Ela, porém, declarou depois que nunca notou a presença de mais alguém na casa, apesar deas vezes notar um "toque feminino" em sua arrumação, mas sem nunca atinar de onde aquilo poderia ter vindo.
Pouco antes de fazer 18 anos, Přiklopil a levou a uma estação de esqui nas montanhas perto de Viena para esquiarem por algumas horas. A seu jeito, ele tentava estabelecer uma "vida normal" com Natascha. Foi a primeira vez em sete anos que ela esteve em campo aberto. O tempo todo esteve com o sequestrador próximo a ela, lembrando-lhe que a mataria e a qualquer um caso ela chamasse alguma atenção. No único momento sozinha que teve nesta viagem, a primeira vez em que ficou só sem estar em sua cela após quase oito anos, ela conseguiu ir ao banheiro feminino e entrou uma mulher. Enchendo-se da coragem, disse várias vezes se chamar Natascha Kampusch e que havia sido sequestrada. A mulher loira lhe sorriu com simpatia e foi embora. A reação foi um grande golpe para Natascha, que teve então a certeza de que havia sido esquecida pelo mundo exterior. Só depois de sua fuga descobriu-se que a mulher a quem tinha se dirigido era uma turista holandesa que não tinha entendido nada do que ela tinha falado.
Finalmente, em 23 de agosto de 2006, Natascha estava no jardim passando o aspirador de pó no BMW 850i de Přiklopil, quando, às 12:53, ele recebeu um telefonema no celular. Por causa do barulho do aspirador, ele se afastou para outra área da casa para poder atender ao chamado. Deixando o aspirador ligado, ela saiu correndo pelo jardim sem ser vista por ele. O portão do jardim estava, pela primeira vez, semiaberto. Natascha correu por vários metros até ver uma senhora através da janela aberta de uma das casas da rua e pediu ajuda gritando "Eu sou Natascha Kampusch!" e dizendo que havia sido sequestrada. Dois policiais atenderam ao chamado e, para surpresa de Natascha, a mandaram ficar parada com as mãos para o alto. Perguntas rápidas foram feitas e ela foi levada pelos policiais à delegacia de Deutsch-Wagram. O sequestro havia terminado, depois de 3.096 dias de cativeiro.
Foi identificada pela cicatriz que possuía, pelo passaporte achado após as buscas na casa de Přiklopil e por exames de DNA. Ela foi encontrada em boa saúde física, apesar de estar pesando apenas 48 kg. Pouco tempo depois de sua chegada a Deutsch-Wagram e às primeiras notícias veiculadas em plantões especiais das televisões e estações de rádios, a imprensa já tinha cercado completamente o local. Sua saída dali para ser transferida para a delegacia de Viena foi feita com a proteção de um grande cobertor azul que a cobria completamente, numa imagem que correu o mundo. Seus pais foram avisados, a encontraram em Viena em estado de choque e euforia e o encontro foi em meio a choros e gritos de seus parentes. Desacostumada ao contato físico, os abraços de sua família — suas irmãs mais velhas também acorreram à delegacia — a fizeram ficar tonta e quase desmaiar. A seu pai, Ludwig Koch, que a abraçava em prantos e fez questão de procurar em Natascha a cicatriz que ela possuía desde a infância, disse: "Te amo", como dizia sempre que o pai se despedia após deixá-la na casa da mãe, quando passavam o fim de semana juntos, oito anos antes. Não teve porém permissão para voltar para casa, ficando à disposição da polícia e aos cuidados de seus psicólogos, sendo transladada da delegacia para um hotel em Burgenland, num andar guardado por homens armados e totalmente interditado pela polícia, que até ali não tinha notícias de Wolfgang Přiklopil e temia uma vingança. Só voltaria ao convívio com a família semanas depois.
Com a fuga de Natascha, Wolfgang Přiklopil fugiu da casa e vagueou o dia todo por Viena. Encontrou-se com um amigo e ex-sócio Ernst Holzapfel num shopping center, onde lhe confessou os motivos de seus atos e teve sua imagem capturada por câmeras de segurança do estabelecimento quando se encontrava num balcão de informações. No fim do dia, sabendo que toda a polícia do país o caçava, suicidou-se jogando-se na frente de um trem em movimento perto da estação Wien Praterstern, no norte da cidade. Ele havia dito a Kampusch que "nunca o pegariam vivo". No entanto, os desafios dela não pararam por aí. Após oito anos sem contato com outras pessoas do mundo exterior, a ex-refém teve dificuldades em se adaptar novamente à vida social e à liberdade depois de tanto tempo.
Natascha Kampusch passou os primeiros dias de liberdade na ala psiquiátrica para crianças e adolescentes do Hospital Geral de Viena, aos cuidados de médicos e enfermeiras, sem contato com a família e sem permissão de sair, dividindo a área comum com outros jovens, longe do mundo exterior do qual havia sido privada por oito anos, enquanto a imprensa do mundo inteiro ficava sem notícias do lado de fora. Imagens de seu cativeiro e mesmo das coisas pessoais que tinha escondido de seu raptor, como roupas e um diário, apareciam constantemente na televisão, revistas e jornais.
Em setembro de 2006, quinze dias depois da libertação, de maneira a encerrar os rumores e especulações, e apesar de ser aconselhada a sumir e adotar outra identidade para se poupar da curiosidade alheia, Natascha concordou em dar uma entrevista à televisão austríaca. Depois de algumas semanas, ela se mudou para uma residência de enfermeiras perto do hospital e depois para o seu próprio apartamento. Ela não quis voltar a morar com a mãe, porque, como declarou: "Eu tinha planos de ser autossuficiente quando fizesse 18 anos e isso tinha me sustentado todos aqueles anos. Agora eu queria que isso se tornasse realidade, andando por meus próprios pés e tomando conta da minha própria vida."
No documentário Natascha Kampusch: 3096 days in captivity, ela tem palavras simpáticas sobre seu antigo carrasco e aparece dizendo que tem "mais e mais pena dele, uma pobre alma", mesmo depois de ter sido encarcerada por oito anos pelo algoz. Mas ela o trata, porém, como um "criminoso" e doente mental. Especialistas forenses levantaram a hipótese de que Kampusch havia desenvolvido um tipo de Síndrome de Estocolmo por Wolfgang Přiklopil. Ela referiu-se a ele uma vez como alguém gentil, e quando soube de seu suicídio, chorou bastante.
Em seu livro autobiográfico publicado em 2010, Natascha afirma que a relação entre os dois era complexa demais para provocar-lhe tão somente ódio do sequestrador. A mão que lhe batia era a mão que a alimentava. A mão que lhe humilhava e lhe privava da liberdade era a mão que lhe dava livros para estudar e que lhe permitiu viver, tendo poder absoluto de vida ou morte sobre ela. A intolerância de parte da imprensa e da opinião pública veio do fato de ela se negar a julgar Přiklopil do modo que as pessoas desejavam, como um simples "monstro" e nada mais. Foi necessário tempo, distância dos fatos, amadurecimento e contato com a vida normal, para que o sentimento sobre seu carrasco se tornasse mais repulsivo e odioso do que era na época de sua fuga:
Ninguém queria ouvir que não há um mal absoluto, nem preto e branco. Ninguém nasce mau, somos todos um produto do contato com o mundo e com as outras pessoas e é isso que nos faz ser o que somos. Ninguém nasce um monstro. Ele roubou minha infância e minha adolescência e foi por anos o meu tormento, mas era a única pessoa na minha vida, minha única referência de mundo. Ter ficado de certa maneira triste com sua morte, apesar de ela ser minha libertação, não era compreendido por ninguém. Era mais fácil me rotularem.
— Natascha Kampusch em 3096 dias.
Tentando se adaptar à vida em liberdade e transformada numa celebridade nacional, em junho de 2008 Kampusch iniciou carreira como entrevistadora na tevê austríaca, com o programa Natascha Kampuch Trifft... do canal fechado Puls4. O primeiro convidado do programa mensal foi o campeão mundial de Fórmula 1 Niki Lauda, segundo ela, por ter uma vida levada ao extremo como a dela. O programa, entretanto, durou apenas três edições.
Dois anos após sua fuga, ela comprou a casa onde ficou sequestrada por anos, após uma audiência pública para a venda do espólio de Wolfgang Přiklopil: "Eu sei que é grotesco. Eu tenho que pagar por eletricidade, água e as taxas de uma casa em que eu nunca quis morar". Natascha comprou a casa para impedir que fosse demolida, livrá-la de vândalos e impedir que virasse um santuário e a visitou por duas vezes depois de sua libertação.
Em 2009, ela tornou-se o rosto da organização pró-direitos dos animais PETA na Áustria. Em junho, escreveu uma carta à ministra da Agricultura da Alemanha, Ilse Aigner, onde a campanha é baseada, exigindo a libertação de animais dos zoológicos do país. No mesmo ano, Natascha deixou a televisão e perdeu a solidariedade da opinião pública austríaca, que passou a criticá-la por ter, presumidamente, enriquecido graças à história do seu sequestro. Ela afirmou que sua vida "mudou radicalmente" no dia em que escapou, mas que ainda não se sentia "realmente livre".
Em 2016, para relembrar os 10 anos de sua fuga, ela lançou um outro livro. Na época, numa entrevista à AFP, ela ainda falou sobre a perseguição e ódio do público: "Não fico com raiva. Costumava ficar, mas percebi que você pode alcançar muito mais sendo estoico. Pessoas assim não vão mudar, não importa como eu me comporte com elas".
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ADAPTAÇÃO PARA O CINEMA
A história de Natascha foi adaptada para o cinema em 2013 com o título de "3.096 dias de cativeiro", o longa-metragem foi baseado no livro autobiográfico e foi interpretado por Amelia Pidgeon quando criança e Antonia Campbell-Hughes quando adolescente, no papel Thure Lindhardt como Wolfgang Priklopil.
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ENTREVISTA
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REFERÊNCIAS
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/historia-3096-dias-de-cativeiro-conheca-historia-de-natascha-kampusch.phtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Natascha_Kampusch
https://pt.wikipedia.org/wiki/3096_Dias
https://kampusch.com/ (Site Oficial em alemão)
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